PRINCÍPIOS E RESOLUÇÕES
Olá! Bom ano! Sabemos que já te deves ter cansado de ouvir os votos de um feliz 2025, mas não podíamos deixar de os assinalar na primeira newsletter deste novo calendário. Até porque este é o ano em que, finalmente, começamos a criar!
Já te contámos no instagram que começaram oficialmente os ensaios para “Uma coisa de sangue”, o primeiro espetáculo da Maratona a estrear, já em março. Se não estás a par de nada disto, vai lá seguir-nos para acompanhares mais de perto o desenrolar deste projeto. O que ainda não te dissemos foi… tudo o resto. Como esta se trata de uma primeira newsletter e de um primeiro espetáculo, vamos ao princípio!
“Uma coisa de sangue” nasceu na cabeça da Belisa com o título “A blood thing”. Nunca teve outro nome, a não ser a tradução para português. Voltando atrás, ainda se encontram nas memórias digitais alguns dos primeiros textos que a Belisa escreveu (e que, honestamente, não quer revisitar porque são “absolutamente horríveis” - palavras da própria), mas a narrativa enquanto peça de teatro surgiu em agosto de 2021. Na altura, já estavam presentes as mesmas referências de hoje (contraculturas, particularmente a contracultura da década de 1960 e conceitos sociais e filosóficos de direitos individuais e comunidade intencional), bem como outras que se perderam (a pop art, por exemplo, e nomes de artistas que, entretanto, não conseguimos reconhecer).
“A blood thing” questionava se há realmente liberdade de escolha individual quando se faz parte de uma estrutura familiar tradicional - e era qualquer coisa deste género que estava escrita numa candidatura à Gulbenkian, não apoiada. Da peça faziam parte três personagens femininas (avó, mãe e neta/filha), que exercitavam como é que as relações de poder, responsabilidade e liberdade operam entre vários graus de parentesco. Em bom rigor, isto mantém-se. À época, a inspiração era essencialmente biográfica e a motivação residia no interesse genuíno pela verdadeira estrutura familiar da autora e, a partir daí, na oportunidade de contar a sua própria história, pessoal e familiar. Hoje, a trama ganhou uma forma mais política e, por isso, ampla.
No entanto, não deixa de ser curioso perceber, a partir das leituras das intérpretes Joana Petiz e Teresa Chaves, que a camada pessoal e familiar da Belisa enquanto autora se mantém bem viva e que as experiências das personagens, embora num universo distante, se assemelham às questões da sua própria avó e também suas, não escrevêssemos sempre a partir das nossas próprias experiências e imaginário.
Por agora, seguimos com os ensaios no Campus Paulo Cunha e Silva, à descoberta de nova inspiração e motivações. Em fevereiro, vamos estar em residência no fAUNA, espaço de criação e programação artística do Teatro da Didascália, em Joane (Vila Nova de Famalicão) e em Serpa, no Alentejo, com a companhia de teatro Baal17.
ISTO NÃO É UMA COMPETIÇÃO
Sabemos que a internet está cheia de sugestões culturais, de livros, filmes, séries e álbuns, mas achamos que o teatro e as artes performativas costumam, frequentemente, ficar fora dessas listas. E podemos até ser a Maratona, mas não temos vontade de competir. Neste segmento da nossa newsletter, recomendamos espetáculos dos nossos pares, artistas ou coletivos jovens, que vimos e de que gostámos ou que temos muita vontade de ver.
Vamos tirar já o elefante da sala e dizer que, em fevereiro, se realiza a Meia Maratona de Cascais. É que esta newsletter é também um portal de notícias para os atletas das corridas. Como temos um alerta google ativado para a palavra “Maratona”, chegam-nos todas estas notícias e não podíamos deixar de as partilhar. Se uma de nós pudesse estar presente, tínhamos pelo menos Meia Maratona na Meia Maratona, mas não achamos que vá acontecer. Faz-nos representar, se estiveres por perto.
Ainda para sul, o espetáculo “Preferia não o fazer”, sobre o direito ao ócio e às escolhas, com criação e interpretação de Pedro Russo, vai estar no CAL - Centro de Artes de Lisboa, entre 13 e 16 de fevereiro. O projeto reclama a descoberta do NÃO como um herói de banda desenhada que derrota os terríveis monstrinhos do SIM. Sabe mais aqui.
AGRADAR A GREGOS: MARATONA, TEATRO E… FILOSOFIA?
Já que unimos, através do nome que escolhemos dar à nossa associação, a Maratona ao Teatro, duas heranças da Antiga Grécia, porque não darmo-nos ao luxo de uma terceira? A filosofia, na sua origem, procurava explicar o mundo, dedicando-se - resumidamente - a pensar sobre ele. Neste segmento, assumindo as nossas vozes individuais, pensamos e escrevemos brevemente sobre temas que cruzaram os nossos mundos.
Estou a ler “O Ato Criativo - Um modo de ser” do Rick Rubin, dois anos depois de toda a gente, e alterno constantemente, durante a leitura, entre achar que estou perante um manual de autoajuda com uma série de banalidades e sublinhar todos os parágrafos porque há qualquer coisa que ainda vai ser útil para as nossas criações (ou para as nossas vidas). Talvez seja melhor explicar-me com, primeiro, um excerto que podia ter sido escrito pelo Gustavo Santos, citando de um dos meus capítulos favoritos: “Somos capazes de fechar os olhos e a boca, mas as orelhas não têm tampas, nada que as vede”. Agora, o exemplo de um parágrafo que sublinhei e sobre o qual tenho pensado desde então: “Formular uma opinião não é ouvir. Tão-pouco o é preparar uma resposta ou defender a nossa posição ou atacar a outra pessoa. Ouvir com impaciência é não ouvir absolutamente nada. Ouvir é suster a descrença”.
Ora, eu que estou constantemente de headphones, pondo de lado a minha hipocondria e o perigo das radiações, fiquei presa à ideia, também presente neste capítulo sobre escuta, de que os auscultadores criam uma ilusão, fazendo-nos acreditar que estamos a ouvir mais e melhor quando, na verdade, perdemos a experiência auditiva do mundo real. [E diga-se que eu ouço, tanto podcasts como áudios no WhatsApp, com a velocidade aumentada. Por isso, eu altero o ritmo da realidade e estou ciente disso.] O que me interessa, no entanto, é verificar se existe essa ilusão que criam os auscultadores também quando não os usamos. Se também estamos a perder a experiência auditiva do mundo real em conversas cara a cara? Normalmente, quando não sou compreendida, assumo que não me expliquei bem. Dou exemplos - como fiz no princípio deste texto - e tento alterar a forma para dizer a mesmíssima coisa. Quando não entendo imediatamente o que alguém me diz, assumo que essa pessoa não está a saber expressar-se da melhor maneira e peço-lhe igualmente que reformule ou dê exemplos. Nunca me ocorreu pensar que era eu quem não estava a ouvir inteiramente. Não porque alguma coisa me tivesse vedado as orelhas (que “não têm tampas”, relembro), mas porque não estou presente. Apoderando-me de conceitos do livro, não escuto porque a minha mente crítica está a entrar em ação; estou a criar e a defender uma história que não corresponde ao que está a ser dito; estou a desconsiderar o discurso de outrem à partida. Se o teatro é a suspensão da descrença, o pacto de aceitar uma ficção, e se o pratico tantas vezes desde sempre, porque é que não consigo suster a mesma desacreditação quando ouço alguém, no dia-a-dia? Ouvir devia ser acreditar - e esta é uma frase à la Gustavo Santos que sai diretamente da minha cabeça. Gostava de ser mais crente, ouvindo e prestando atenção, e menos impaciente, mesmo quando estou em silêncio. Talvez seja uma boa resolução de ano novo. Rick Rubin diz ainda: “Seja qual for o tipo de arte que estás a fazer, ouvir abre possibilidades”. Agora que a Maratona dá os primeiros passos na criação formal de espetáculos de teatro, talvez eu deixe de construir ficções na minha cabeça enquanto falam comigo e passe a focar-me exclusivamente nas que têm lugar num palco. E, com sorte, talvez o público esteja mesmo a ouvir.
Mariana
Se quiseres partilhar connosco as tuas intenções para este novo ano, escreve-nos de volta. Se não tiveres nenhuma, fica com as nossas sugestões:
- ir mais ao teatro;
- ver a estreia de “Uma coisa de sangue” no Auditório Municipal de Gaia, a 21 e 22 de março;
- responder às newsletters da Maratona com beijinhos!
Obrigada por estares desse lado e até breve.