FESTAS FELIZES
Olá! Prometemos escrever-te só quando tivéssemos novidades e já estamos a incumprir. Aquilo que temos para contar é, primeiro, passado e, depois, futuro, mas a médio-longo prazo e sem efeitos imediatos.
No final de novembro, estivemos no FIS - Festival de Artes Performativas a Solo, numa residência de quatro dias. Dividimo-los da seguinte maneira: as manhãs para trabalho de produção e as tardes para trabalho criativo. Hoje sabemos que devíamos ter feito precisamente o contrário, para que as dores de cabeça provenientes de orçamentos e dificuldades burocráticas não invadissem o espaço da criação. Esperamos que valha a pena receberes esta newsletter sem grandes novas, pelo menos por esta partilha de conhecimento recém-adquirido.
E são essas manhãs e tardes que inspiram o que te queremos contar. Quando chegávamos ao teatro, abríamos o orçamento do projeto Uma Coisa de Sangue, que é o primeiro a estrear dos dois que teremos em cartaz no próximo ano. Os ensaios começam já na segunda segunda-feira de janeiro e uma das burocracias de que nos ocupámos foi a redação de minutas para os contratos de toda a equipa. Estaremos em residência e ensaios no Campus, no Fauna e no Cineteatro Municipal de Serpa entre janeiro e março. A estreia, se já tiveres uma agenda para 2025, é nos dias 21 e 22 de março, no Auditório Municipal de Gaia, mas ainda vamos escrever-te até lá.
Quando chegávamos do almoço, escrevíamos. O texto do Obrigada por terem vindo, a segunda criação a ser levada à cena, já está escrito, mas continua a interessar-nos pensar os temas da peça: a linha entre realidade e ficção e as possibilidades de construção nesse lugar de fronteira. Para isso, também a partir de janeiro, a Maratona terá um espaço mensal no Coffeepaste - a rubrica “Cortina do rés-do-chão”, que sai todos os meses até à estreia do espetáculo em setembro e que fala sobre casas de filmes e séries convertidas em AirBnB’s, por exemplo, ou de como os discos gravados ao vivo são uma espécie de quarta parede musical.
ISTO NÃO É UMA COMPETIÇÃO
Sabemos que a internet está cheia de sugestões culturais, de livros, filmes, séries e álbuns, mas achamos que o teatro e as artes performativas costumam, frequentemente, ficar fora dessas listas. E podemos até ser a Maratona, mas não temos vontade de competir. Neste segmento da nossa newsletter, recomendamos espetáculos dos nossos pares, artistas ou coletivos jovens, que vimos e de que gostámos ou que temos muita vontade de ver.
Estamos a chegar ao fim de mais um ano e, com ele, os números e estatísticas. Segundo o Diário de Notícias, entre os principais crimes cometidos em 2022 e 2023 estão os de violência doméstica: trinta e sete mil, cento e cinquenta e sete. “Não é amor” é o título da peça de dança, com coreografia de Catarina Branco, que explora como quebrar o ciclo de violência física e emocional em contexto doméstico. Estreou em novembro, no Centro Cultural Raiano, mas segue em digressão no próximo ano, com sessões marcadas a 25 de janeiro no Teatro-Cine de Pombal e a 14 de fevereiro no Centro Cultural de Lagos.
AGRADAR A GREGOS: MARATONA, TEATRO E… FILOSOFIA?
Já que unimos, através do nome que escolhemos dar à nossa associação, a Maratona ao Teatro, duas heranças da Antiga Grécia, porque não darmo-nos ao luxo de uma terceira? A filosofia, na sua origem, procurava explicar o mundo, dedicando-se - resumidamente - a pensar sobre ele. Neste segmento, assumindo as nossas vozes individuais, pensamos e escrevemos brevemente sobre temas que cruzaram os nossos mundos.
“Não há sentimentos incorretos”, escreveu Alan Watts em 1998. Continuou o seu raciocínio dizendo que apenas existem atitudes e posturas incorretas, na medida em que estas podem eventualmente ser prejudiciais para outras pessoas, impedindo-as, por exemplo, de viver em liberdade. No entanto, isso não deveria nunca pôr em causa a veracidade de um sentimento. Esta conclusão, ou provocação, se assim a quisermos interpretar, despertou o meu interesse. Talvez porque tenha crescido a ouvir que não devemos nunca odiar o próximo e que o ódio é um sentimento terrível e, por isso, indecente. Cresci no seio de uma família católica.
Balizar os nossos sentimentos, dizendo que uns estão ao nosso alcance e que os devemos promover e outros, como uma praga, devem ser evitados pode ter consequências variadas. Pode, por exemplo, despertar reações, ou até outros sentimentos negativos, associados ao primeiro, como vergonha e confusão. Ter a sensação de que estamos a experienciar algo errado, que não deveríamos sentir, e que por isso temos ou somos, nós próprias, um problema. Mais, há esta ideia de que os sentimentos maus podem ser uma ameaça para a sociedade ocidental, como expõe também Alan Watts. Na realidade, a omissão de tais sentimentos não os anula, pelo contrário, contribui para uma sociedade menos transparente e por isso mais hipócrita. Não queremos ouvir a verdade, porque também não a queremos dizer. Evitamos reconhecer os nossos sentimentos mais negativos para com outras pessoas, porque queremos ser exemplos de amor, compaixão e empatia. Ideias, já agora, que ganharam grande popularidade na corrente década, década essa que, ironicamente, tem visto crescer correntes de ódio contra minorias étnicas. Sem querer correr o risco de parecer incentivar ou promover a divulgação de sentimentos de ódio, o que me parece curioso aqui é como nos esforçamos coletivamente para aparentemente cultivar o amor, sem reconhecer o porquê da existência de tantas fontes de ódio. Não teremos talvez de primeiro aprender a reconhecê-las para depois as podermos desconstruir e dissipar? Ou seja, talvez o primeiro passo não seja ensinar uma criança que não deve odiar, mas sim que deve tentar reconhecer quando odeia e porquê para assim poder transformar e renovar os seus sentimentos, relações e pontos de vista.
Belisa
Para terminar, talvez tenha sido este, honestamente, o verdadeiro propósito desta newsletter. Enviar-te os nossos votos de festas felizes, reconhecendo que este não é, tantas vezes, um momento feliz para muitas pessoas e famílias, mas desejando que alguns dias de folga, umas quantas receitas tradicionais e a preparação de um novo ano possam ser o suficiente para animar estes dias frios. Para maratonistas a sério, a Avenida dos Aliados recebe os dez quilómetros da Corrida de São Silvestre no dia 29 de dezembro. Para nós, corredoras de ficar por casa, as metas estão em 2025. Vemo-nos lá?
O postal, enfim, não conseguimos explicar.