A ESTREIA
Olá! É verdade que nós quisemos lançar a nossa associação em novembro com uma festa de aniversário em forma de palestra performativa, e é verdade que escrevemos um texto, estampámos t-shirts, fizemos um cartaz, mas esse foi um lançamento. A verdadeira estreia da Maratona, o primeiro espetáculo (de muitos, esperamos) é este, agora. Estreia a 21 e 22 de março, às 21h30, no Auditório Municipal de Gaia e chama-se “Uma coisa de sangue”. Os bilhetes ainda estão à venda.
Esta foto é uma delícia porque evidencia duas coisas (de sangue) muito importantes.
Primeiro, estávamos em Serpa, em residência artística no Cineteatro Municipal, graças a uma parceria com a Baal17, o que nos faz pensar em pão alentejano e queijadas, mas também no quão importantes são estas pontes (ou aquedutos) que estabelecemos com outras estruturas. Uma candidatura bem-sucedida, como foi a deste projeto à Direção Geral das Artes, depende de muito esforço mas também do apoio de perfeitos desconhecidos, que se disponibilizam a conhecer o nosso trabalho e planos para o futuro e que, se tivermos sorte, acreditam neles connosco. Foi isso que aconteceu com os espaços que receberam residências de criação do espetáculo - Sekoia, Instável, Balleteatro, Teatro da Didascália e Campus - mas também com as entidades que o coproduzem - Auditório Municipal de Gaia, Teatro Municipal de Bragança, Teatro Ribeiro Conceição, Centro Cultural de Lagos, Centro Cultural e de Investigação do Funchal e Baal17. Sabemos que, sem estes companheiros, o projeto podia não ter sido possível ou existir de uma forma completamente diferente. E como gostámos muito do que criámos, ainda bem que o fizemos desta maneira.
Depois, as pessoas - sempre e ainda as pessoas. Na imagem, da esquerda para a direita, o Rafael Maia, sonoplasta metódico, o Miguel F., videógrafo obstinado, a Joana Petiz, atriz serena, a Belisa Branças, encenadora sobre quem se evitam os adjetivos pela participação na escrita deste texto, a Teresa Antunes, desenhadora de luz bem-humorada e a Teresa Chaves, atriz luminosa. Sem a confiança desta equipa numa associação que praticamente não existia, sem os “sim” que nos levaram a construir aquelas que serão para sempre as primeiras minutas de contratos que escrevemos, sem a sua energia e força de trabalho, sem as suas referências e ideias e propostas, “Uma coisa de sangue” não era “Uma coisa de sangue”. E faltam a Catarina Lacerda, que contribuiu com a sua interpretação em vídeo de uma personagem não física, com que coaduna a sua ausência nesta imagem; a Raquel Graça, que criou ela própria imagens de divulgação e cartazes do espetáculo; o João Dinis Pinho, que foi recebendo imagens digitais dos ensaios e fazendo uma consultoria artística à distância; e a Mariana Dixe, que de imagens percebe pouco, mas que foi uma chata com as palavras, no apoio à dramaturgia e produção executiva. Estamos quase tão orgulhosas do espetáculo que pensámos como de ter reunido esta equipa que, de facto, o pôs de pé. O nosso obrigada é sempre delus!
ISTO NÃO É UMA COMPETIÇÃO
Sabemos que a internet está cheia de sugestões culturais, de livros, filmes, séries e álbuns, mas achamos que o teatro e as artes performativas costumam, frequentemente, ficar fora dessas listas. E podemos até ser a Maratona, mas não temos vontade de competir. Neste segmento da nossa newsletter, recomendamos espetáculos dos nossos pares, artistas ou coletivos jovens, que vimos e de que gostámos ou que temos muita vontade de ver.
Não é que sejam propriamente um coletivo emergente (a sua atividade robusta há quase 20 anos diz precisamente o contrário) e que nós sejamos necessariamente imparciais, mas é difícil não recomendar a peça de teatro-comestível “Comer a terra”, do Teatro da Didascália, quando tivemos a felicidade de provar o menu em primeira mão. A estreia no fAUNA já passou e deu que falar, mas ainda é possível ver e comer o espetáculo em Barcelos (21 março, Teatro Gil Vicente), Marinha Grande (5 abril, Teatro Stephens), Penafiel (11 de abril, Ponto C) e por aí fora. Mais informações aqui.
Também estivemos, na semana passada, no concerto de apresentação do álbum “Poros”, da Malva, e ainda vamos a tempo de recomendar o concerto de Lisboa, no B.Leza a 20 de março, quinta-feira. É verdade que há descrença a toda a hora, mas estas canções têm, como poucas, daquela beleza que se chora (“Fugir à sorte”).
AGRADAR A GREGOS: MARATONA, TEATRO E… FILOSOFIA?
Já que unimos, através do nome que escolhemos dar à nossa associação, a Maratona ao Teatro, duas heranças da Antiga Grécia, porque não darmo-nos ao luxo de uma terceira? A filosofia, na sua origem, procurava explicar o mundo, dedicando-se - resumidamente - a pensar sobre ele. Neste segmento, assumindo as nossas vozes individuais, pensamos e escrevemos brevemente sobre temas que cruzaram os nossos mundos.
A arte salva. Não consigo descobrir quem terá sido a primeira pessoa a dizer tal coisa, mas também não consigo encontrar um só momento em que essa afirmação não seja verdade. Só este ano, que nem há três meses completos começou, já houve dois álbuns que me levantaram do chão: Debí Tirar Más Fotos, do meu desconhecido até então Bad Bunny e Ganga com Ganga, mais recentemente, do Miguel Luz. Há canções que me salvam na medida em que me ajudam a compreender o mundo. Estas, em particular, tiram-me da cama quando é praticamente impossível sair pelo meu próprio pé, animam-me num dia difícil, calam-me os pensamentos mais barulhentos. E vê-las em concerto, quando está marcado, é como saber de antemão que daqui a muitos dias vai estar sol, independentemente do tempo que faça.
Com as séries, a mesma coisa, até porque convocam o descanso. Normalmente, almoço em frente ao computador, durante um dia de trabalho, numa espécie de pausa em que continuo a trabalhar, mas nem sempre. Quando estou enfiada numa série e tenho episódios disponíveis, vê-los obriga-me a parar. “Shrinking” e “Amor & Anarquia” foram vistas assim, nestes últimos tempos. Às vezes no comboio, às vezes já tarde na cama, mas sobretudo no escritório, em frente a um tupperware. E a última temporada de “Valeria”, guilty pleasure partilhado com a minha mãe, levou-me por várias vezes a aguentar o dia, na expectativa de todos os clichés que ainda vamos ver logo à noite, quando chegarmos a casa. Oh, o escapismo consciente e premeditado!
O meu principal escapismo está nos livros. Fico embrenhada nas histórias de tal maneira que penso nas personagens enquanto vivo a minha rotina, pergunto-me por elas, às vezes parece-me vê-las. Gosto principalmente, para este efeito, de romances de ficção comumente associados a leituras femininas, superficiais e sem qualidade. O último de que gostei muito chama-se “Greta & Valdin”, de Rebecca K Reilly, mas ainda ontem fui a uma grande livraria de emergência à procura de um novo livro com que me ocupar. Acabei a escolher uma autora de que já li outros três títulos e que nunca me desiludiu: são eles “Apartamento partilha-se”, “O ausente” e “Despertar para o amor”. O raciocínio foi claro. A Beth O'Leary já me salvou antes.
O cinema, apesar de menos imediato, também tem o seu valor. Cá em casa, começámos o ano a ver o Blink Twice, da musa Zoë Kravitz, e ainda não consegui parar de pensar nele. Salvou-me noutra medida: menos como massagem cardíaca de reanimação e mais como um medicamento que agora tomo todos os dias, em doses controladas, para sobreviver. Ajudou-me a aceitar e a admitir a minha raiva, sem sentir vergonha ou culpa em relação a ela; a reconhecer e validar a raiva de outras mulheres à minha volta; e a ter vontade de a conduzir para algo útil. Não me salva tirando-me da cama, mas dá-me soluções para continuar de pé quando já estou fora dela.
E o que é que fica a faltar? O teatro. No dia em que escrevo este texto, ainda não fui ao teatro uma vez em 2025. Não vi um único espetáculo e não lamentei essa ausência. O teatro salva-me de outra forma. Às vezes, em noites mais difíceis para pegar no sono, penso nos espetáculos que ainda vou fazer. Chego a tomar decisões sobre a minha primeira criação, que só estreia em setembro deste ano. Transporto-me para os ensaios que, obviamente, ainda não começaram; preparo o que vou dizer para dar as boas-vindas à equipa; adivinho as respostas e reações de toda a gente; desenho exercícios, pergunto-me se devo fazê-los também, imagino-nos a fazê-los todas juntas. Motiva-me essa imagem, mas sei que estou a fazer a parte fácil. Sei que, na minha cabeça, o lugar de ensaios para o qual me transporto é perfeito: lá fora não chove, não fico com alergia porque não há pó, não há relógios nem telemóveis. A equipa recebe as minhas boas-vindas com um sorriso porque é fruto da minha imaginação: não há rendas para pagar, nem dores no corpo, nem medo. E as respostas que me dão, as reações que têm, são consequência direta disso. Sei que estou a fazer a parte fácil porque conheço quem esteja a fazer o mais difícil. A viver o processo de trabalho fora do plano dos sonhos. A criar um espetáculo que existe. A liderar uma equipa de pessoas que são a sério, com três dimensões físicas e todas as outras. A minha amiga Belisa está, agora, num espaço de ensaios que tem lugar nos mapas de verdade. Tenho muito orgulho nela. Espero que o mundo também tenha salvação, para podermos continuar a fazer arte que (nos) salva, na cabeça e no palco.
Mariana
“Uma coisa de sangue” estreia a 21 e 22 de março, sexta e sábado, às 21h30, no Auditório Municipal de Gaia. Tem duração de 90 minutos e classificação etária para M/12. A sessão de dia 21 conta com interpretação em Língua Gestual Portuguesa. Segue para Lamego, Lagos, Bragança e Serpa.
Se ainda não te tiveres cansado de nos ouvir falar sobre isto, convidamos-te a ver a entrevista da Belisa ao Pedro Mendes, no Coffeepaste. Até breve!